Uma análise sobre as emissões abusivas: um guia para entender essas emissões

Post número 3
Publicado em 19/09/2017, editado pela última vez em 17/10/2020

Foto de capa: envelope circulado com selos abusivos de Ajman. Raro exemplo que comprova a possibilidade de uso normal destes selos.

Um ponto de grande importância para a filatelia, em minha opinião, é aquele que trata sobre as emissões consideradas abusivas. Iremos tratar nesse artigo as causas e o contexto destas emissões, comparando-as com emissões consideradas não-abusivas.

Primeiramente traremos a definição corrente do que consiste uma emissão abusiva. Uma emissão abusiva é aquela que é produzida primeiramente com vistas ao comércio filatélico, em detrimento do uso postal normal.

Na maior parte das vezes, os selos abusivos são emitidos de forma que não satisfaz as suas necessidades postais, isso ocorre quando o país emite selos com valores faciais diferentes das tarifas postais, ou quando a tiragem dos selos é maior que a demanda. Normalmente, os selos abusivos abordam temas da história ou cultura dos países centrais, onde se situam a maioria dos filatelistas, e consequentemente os compradores destas emissões.

A “geografia” das emissões abusivas

Ao analisar a “geografia” das emissões abusivas, vemos que existe uma grande quantidade de países que emitem os chamados selos abusivos. As emissões abusivas concentram-se principalmente em países caribenhos na América, na Europa Oriental, na Indochina e alguns países árabes na Ásia, e na África de um modo geral. Há dois fatores socioeconômicos que possuem uma grande influência no aparecimento das emissões abusivas.

O primeiro deles é a qualidade de vida da população e as condições econômicas do país, sendo que em muitos dos países que emitem esses selos a população não tem condições econômicas para utilizar esses serviços, ou então a infraestrutura local não permite que o sistema de correios atenda a toda a população.

O segundo fator é o tamanho da população, vemos que muitos países pequenos emitem uma quantidade maior de selos do que o necessário, pois a pequena população não gera uma grande demanda, sendo assim, o comércio de selos é utilizado como uma fonte extra de divisas para o país, isso é muito comum em países insulares como os da Oceania e Caribe.


Guiné Equatorial e Libéria - dois exemplos de países com estratégias abusivas em seus planos de emissões

Ao observar esta distribuição geográfica percebemos que essas emissões normalmente provêm de países subdesenvolvidos, mas veremos a seguir que eles não são os únicos que seguem esta prática. Pode-se dizer também que, de certa forma, há “graus de comprometimento” daqueles que emitem os selos, ou seja, a emissão de selos abusivos não costuma ser uma prática constante, podendo ser colocada de lado conforme a sua necessidade.

Análise comparativa quantitativa

Fazendo uma análise do número de selos emitidos de alguns países até o ano de 1990, vemos que o Brasil emitiu 2410 selos, a Dinamarca emitiu 995 selos, a URSS emitiu 5890 selos, a Guiné Equatorial emitiu 1955 selos, a Guiana emitiu 3015 selos, a Alemanha Oriental emitiu 3086, a Alemanha Ocidental emitiu 1363, a Coréia do Norte emitiu 3276, a Coréia do Sul emitiu 1642.

Esses dados podem ser interpretados de modo que possamos comparar as emissões destes países. Um ponto que pode ser observado é o de que alguns países do bloco socialista emitiram um número de selos bem maior, como Alemanha Oriental e Coréia do Norte. Outro país que emitiu uma grande quantidade é a URSS.

Pode-se deduzir que esse número maior de emissões decorre de uma maior necessidade destes países mostrarem, através da filatelia, o poder destes países na medida em que o bloco socialista possuía um número de aliados bem menor do que o bloco alinhado aos EUA.

Outro ponto que pode ser observado é o baixo número de emissões da Dinamarca, muitos países e territórios de menor população preferem seguir um programa filatélico com um número menor de emissões, isso ocorre com países escandinavos, e pequenos territórios europeus como Açores, Ilha de Man, entre outros, que emitem poucos selos por ano.

O último ponto a ser analisado é o de alguns países têm um número relativamente normal de selos emitido, mesmo que alguns deles tenham seguido um programa filatélico abusivo por muito tempo. Isso pode ser notado ao comparar o número de emissões da Guiné Equatorial, Brasil e Guiana. Apesar do Brasil não ser um país que se caracterize por emitir selos abusivos, ele possui um número de emissões relativamente parecido com os dois países supracitados.

Neste caso, o que se pode dizer é que uma análise quantitativa não é capaz de mostrar a diferença no posicionamento destes países. Isso ocorre porque mesmo que esses países tenham emitido uma quantidade parecida de selos, essas emissões se diferenciam no que tange o uso postal e os temas abordados.

Análise comparativa qualitativa

Para fazer uma comparação qualitativa acerca dos temas tratados nos selos iremos tratar de um caso específico para exemplificar a situação dos selos abusivos.


Emissões de Granadinas de São Vicente para suposto uso especial na ilha de Bequia

Serão tratadas aqui como exemplo algumas emissões sobre os Jogos Olímpicos de 1984 de Los Angeles, porém isso pode ser observado em diversas outras situações. Para comemorar a edição das Olimpíadas de 1984 foram emitidos, entre selos e blocos, 18 peças pelo Chade, 21 pelo Togo e 8 pelos Estados Unidos.

Ao analisar estes dados, vemos que houve um grande número de emissões de países que provavelmente não tiveram uma participação relevante nestes jogos, enquanto que o próprio país-sede emitiu menos selos.

Isso pode ser visto em diversas outras situações, geralmente ocorre em maior número com temas alusivos aos países centrais e que normalmente possuem pouca relação com os países que emitem esses selos. Veremos a seguir porque isso ocorre.

Porque existem as emissões abusivas?

As emissões abusivas possuem outras finalidades, pois estas não se destinam prioritariamente ao serviço postal. Vimos até agora que há duas finalidades para as emissões abusivas. Uma delas é a finalidade comercial, visto que essas emissões trazem temas que visam atender aos colecionadores, principalmente aqueles que se situam em países onde a qualidade de vida é melhor, e consequentemente, onde a filatelia é mais desenvolvida.

Independência Americana e Napoleão aparecendo como temas de outros países (Alto Volta e Níger)

Outro fator que demonstra o posicionamento daqueles que emitem os selos abusivos é a relação destas emissões com o uso postal. Percebe-se que a maior parte destas emissões são encontradas em estado novo ou com carimbo de favor, ou ainda com a obliteração pré impressa no desenho do selo.

A segunda é a finalidade de promoção, ou seja, é a necessidade de alguns países de promover-se através da filatelia como uma espécie de propaganda para se apresentar melhor com relação ao exterior.

Isto pode ser observado no caso tratado anteriormente das emissões de alguns países, como aqueles do bloco socialista, que emitiram uma quantidade maior em comparação com seus vizinhos do bloco capitalista. É necessário observar que esta finalidade pode ser associada também ao comércio filatélico, mas isso nem sempre ocorre necessariamente.

Há duas grandes diferenças entre esses dois tipos de emissões abusivas, a primeira é a de enquanto os primeiros se dedicam a mostrar prioritariamente temas estrangeiros, os segundos se dedicam a mostrar de forma excessiva as conquistas, a história e a cultura de seu país.

A segunda é de que as emissões “comerciais” em geral possuem um número relativamente normal de emissões, enquanto que as emissões “de promoção” em geral possuem um número relativamente maior de selos emitidos.
Em suma, as emissões comerciais se valem mais dos temas abordados, enquanto que as emissões que visam promover o próprio país se utilizam do maior número de emissões.

A diferença entre o que é considerado normal e que é considerado abusivo

Vemos no caso das emissões soviéticas que existe um número de emissões muito maior do que o normal, porém isso não foi um determinante para que esse país fosse considerado como abusivo pelos catálogos e colecionadores internacionais. Isso ocorre talvez porque o critério que analisa os temas abordados nas emissões parece ser mais forte do que o critério do número de emissões.

Parece haver também um efeito de “transbordamento”, ou seja, como foi dito antes, a prática de emitir selos abusivos não costuma ser perene, sendo assim, parece haver certo impedimento em reconhecer qualquer emissão de um país que já tenha sido abusivo anteriormente. Isso pode ser observado com vários países da África que foram abusivos por muito tempo e que deixaram de ser atualmente, mas seus selos continuam sendo vistos com certa apreensão pelos colecionadores.


Apesar de rara e cobiçada, a série Brasiliana '83 é altamente abusiva

Isso parece ocorrer também no sentido contrário: países que não tenham sido abusivos anteriormente e que passam a emitir certos selos abusivos não costumam ser apontados como tal, pois estes já tem certa credibilidade no cenário filatélico.

Pode-se citar alguns exemplos como o caso da própria URSS analisada anteriormente, de algumas emissões recentes de Portugal, e de algumas emissões esporádicas de alguns países.

Uma dessas emissões esporádicas que pode ser citada é o caso de uma das maiores joias da filatelia brasileira: os blocos Brasiliana´83. Esta série de cinco blocos foi emitida com o único propósito de vender ao público, não são conhecidos exemplares circulados, porém não há colecionadores que as veja com os mesmos olhares com os quais vê as emissões abusivas de outros países.

A diferença entre o ilegal e o abusivo

Nesta seção será analisado o caso dos selos dos Emirados Árabes, que são muitas vezes tratados como ilegais. Os Sete Emirados do Golfo começaram a emitir seus próprios selos a partir da segunda metade da década de 1960, rapidamente esses pequenos estados passaram a seguir um programa de emissões abusivas.


Exemplo de carta circulada com selos de Fujeira para um entidade filatélica

Com a aproximação da unificação destes Emirados no começo da década de 1970, houve um aumento esporádico destas emissões abusivas como nunca ocorreu na história da filatelia.

Pode-se dizer que houve uma verdadeira “enxurrada filatélica”, sendo assim, muitos
catálogos e colecionadores desistiram de incluir estes selos em seus acervos. Porém, como esses
selos não são ilegais, há exemplares circulados que compravam isso, pois foram emitidos pelas autoridades postais destes pequenos estados, mesmo que essas autoridades não tenham agido de maneira séria com relação às emissões postais.

Conclusão

Em suma, vemos assim, como essas emissões surgem, os contextos que influenciam seu aparecimento, como estas são vistas pelos colecionadores, a sua relação com os selos considerados normais e com os selos ilegais. Vemos que essas emissões refletem o contexto vivido pelo país emissor. Espero que este artigo tenha mostrado de maneira abrangente essas emissões, fica
então a critério do filatelista incluir ou não emissões assim em suas coleções.


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